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Educação | 08.07.21 - 17h18

Programa Ciclo de Cuidado irá combater pobreza menstrual na Rede Municipal de Ensino do Recife

 

Dificilmente uma mulher não tem uma história, uma memória, que envolva vergonha, constrangimento ou culpa relacionada à menstruação. Os dados mostram que, no Brasil, uma em cada quatro mulheres já faltou às aulas por não ter condições de comprar absorventes. Como então uma menina que menstrua e não tem absorvente lida com esse tabu na escola, na rua, na vida? De olho na necessidade urgente de cerca de 17 mil estudantes da rede municipal, o prefeito João Campos assinou decreto com a criação do programa Ciclo de Cuidado de combate à pobreza menstrual, na manhã desta quinta (8) . Com a medida, Recife se torna a primeira capital do país a adotar a medida. 

“A gente lança hoje o Ciclo de Cuidado, é um projeto do município do Recife para enfrentar a pobreza menstrual na nossa cidade. São 17 mil alunas que serão beneficiadas e R$ 1,5 milhão que serão investidos para a aquisição de absorventes e, mais do que isso, é uma política transversal. Nós vamos fazer capacitação dos professores e professoras para habilitá-los a debater esse tema na escola e garantir que as meninas do Recife, estudantes, terão esse acolhimento por parte da Prefeitura e que a gente possa dar o direito de elas assistirem às aulas. Fazendo isso a gente deve reduzir essa evasão e que a gente possa, com dignidade, quebrar o tabu de discussão desse tema”, explicou o prefeito João Campos no lançamento. Entre as jovens que deixam de frequentar a escola quando menstruadas, cerca de 48% tentaram esconder que este foi o motivo da ausência e 45% acredita que não ter ido à aula devido ao período menstrual impactou negativamente o rendimento escolar.

A deputada federal de São Paulo Tábata Amaral que, na Câmara, já propôs projeto para a distribuição gratuita de absorventes em espaços públicos e que tem debatido o tema em diferentes estados do Brasil, também participou do ato. “Infelizmente a menstruação ainda é um tabu, então muitas pessoas ainda não querem falar sobre isso, mas é um tabu que impacta muito negativamente as meninas. Elas perdem um mês e meio de aula por ano porque estão menstruadas, quando têm que recorrer a miolo de pão ou coisa até pior, o que causa infecções, então é uma questão de saúde, de educação e de dignidade”, disse ela. “Então é muito bonito ver que, quando esse projeto foi apresentado lá na Câmara, houve uma reação muito negativa, com muito preconceito, com muita ofensa, e olha a mudança que a gente está vendo em estados e municípios? Uma capital abraçando essa causa e dizendo que aqui não haverá pobreza menstrual. Então é sobre a dignidade das meninas, sobre o direito de sonhar e eu fico muito esperançosa”, acrescentou. 

Os investimentos anuais de R$ 1,5 milhão vão beneficiar cerca de 17 mil estudantes da rede municipal em situação de mais vulnerabilidade social e econômica. “No evento de hoje, de lançamento do programa, o prefeito assinou o decreto de lançamento do Ciclo de Cuidado e também lançou o edital de licitação para a aquisição de absorventes, então agora é só concluir o processo, receber e ao longo do mês de agosto já começaremos a distribuição para todas as escolas da Rede Municipal do Recife. Também haverá formação para os professores e com as equipes das escolas para darem apoio às meninas. É um programa que tem um olhar para o bem estar, para a dignidade, para a saúde”, ressaltou o secretário de Educação do Recife, Fred Amancio.

De acordo com dados coletados pelo Fundo das Nações Unidas para Infância e Adolescência (Unicef), a menarca, que compreende o primeiro ciclo menstrual, de 90% das brasileiras ocorre em média no intervalo entre 11 e 15 anos de idade. Por isso, a Secretaria de Educação usou os 10 anos como idade mínima de referência para calcular o quantitativo das estudantes que serão beneficiadas com a distribuição dos absorventes descartáveis nas unidades escolares da Rede Municipal de Ensino do Recife.

Além do objetivo principal de combate à  precariedade menstrual das estudantes, o  Programa Ciclo de Cuidado também visa também reduzir as ausências em dias letivos destas estudantes durante todo o período menstrual e, consequentemente, evitar prejuízos à aprendizagem e ao rendimento escolar. Portanto, os absorventes, além de essenciais, passam a ser também produtos aliados à criação de melhores condições para que as estudantes desenvolvam suas atividades na escola com saúde e segurança.

“O Ciclo de Cuidado traz uma discussão que dificilmente uma mulher ou uma menina vai levantar. O maior constrangimento que uma mulher pode passar é sujar uma roupa, é que desconfiem que ela está menstruada. Dignidade menstrual não é apenas o absorvente, é trazer à tona a pauta da sexualidade, do controle sobre seu corpo, o conhecimento liberta e a nós mulheres até isso nos foi tirado”, comentou a vice-prefeita Isabella de Roldão durante o evento.

Além da distribuição dos absorventes nas escolas durante o ano, o Programa Ciclo de Cuidado trabalhará grandes eixos de formação com foco em Educação Menstrual para os profissionais da educação, abordando questões sociais, biológicas, emocionais e ambientais. Com isso, os profissionais das escolas poderão dar mais apoio para as alunas. O programa prevê ainda protocolos de atendimento e acolhimento às estudantes em parceria com as Secretarias de Saúde e da Mulher, bem como a produção de materiais informativos para estudantes, profissionais e pais ou responsáveis. “Vamos trabalhar buscando apoio da rede de saúde pública e com a participação de profissionais capacitados, vamos promover também rodas de conversa sobre saúde menstrual e autocuidado. Queremos um programa que vá além da distribuição dos produtos de higiene íntima, mas que dê suporte com orientação para a saúde, bem estar e dignidade das estudantes”, pontua Amancio.

Segundo Ana Carolina Ferreira, 14 anos, estudante do 9º ano da Escola Municipal São Cristóvão, no Brejo da Guabiraba,  o programa vai ajudar as meninas de toda a rede. “Tem muitas garotas que se sentem muito tristes porque passam dificuldades e não têm condições de comprar as coisas dentro de casa, e aí nem sempre sobra dinheiro para absorventes. É muito importante esse projeto porque vai ajudar muito mesmo. Minha mãe sempre compra absorventes, mas às vezes a gente precisa de mais, então é bom ter o apoio e que a escola possa doar. A gente sente que vai poder conversar mais com os diretores sobre isso. Eu já vi as meninas ficarem um pouco tristes por menstruarem e ficarem sem saber o que fazer por não terem absorvente. O que eu podia dar, eu dava, mas às vezes a gente não tem tanto nem para a gente, então vai ajudar as pessoas como?”, refletiu Ana Carolina.

Para a gestora da São Cristóvão, Maria José Lopes, o Ciclo de Cuidado vai ser muito bem vindo nas unidades de educação. “Esse projeto é muito importante, pois na realidade que vemos hoje, as meninas não tem condições de comprar absorventes e muitas vezes têm vergonha de pedir na escola. Então muitas vezes elas faltam, o que acaba prejudicando o rendimento escolar delas. Esse projeto não é só dar o absorvente, mas também trabalhar a questão da menstruação como algo natural, que começa na puberdade  e segue até o final do período fértil. O absorvente é uma necessidade de saúde pública”, esclareceu.