José Miguel Wisnik: o futebol, a literatura e a identidade cultural
Enquanto muitos torcedores se preparavam para o duelo clássico do futebol pernambucano pela classificação na Copa Sul Americana no anoitecer desta terça-feira (20), outros tantos admiradores do futebol estavam a conversar sobre as possibilidades e os impactos literários, sociológicos e antropológicos do gênero esportivo em um bate-papo com o escritor paulistano José Miguel Wisnik. O encontro fez parte da programação do 11º Festival Recifense de Literatura – A Letra e A Voz, que acontece no Museu Murillo La Greca.
A conversa, mediada pelo jornalista, blogueiro e comentarista esportivo, Marcelo Cavalcante, seguiu com muita leveza – e contextualizações históricas – o tema proposto "Futebol, literatura e identidade cultural". Wisnik, que também é músico, professor de literatura e autor de Veneno Remédio – O futebol e o Brasil, explicou que o seu livro surgiu da percepção da potência narrativa não-verbal do futebol. “O vôlei pode ser reduzido a números com muitas facilidade. O tênis também é assim. Mas no futebol, o controle da bola é precário, é fugidio. O domínio de bola não caracteriza uma condição de pontuação. O futebol é contabilizado pelos gols, mas existe uma narrativa não contabilizada. O que se passa nesses 90 minutos? Uma narrativa não verbal. Como nos gêneros da literatura, acontecem dramas, tragédias, comédias, paródias, sátiras...”, esclareceu José Miguel.
Wisnik também provocou o público a refletir sobre as associações de poder afirmadas e repensadas a partir do futebol, como o domínio esportivo independente do poder econômico e político. “É irradiante o fato de um país periférico exercer hegemonia onde ela costuma ser dada também pela predominância econômica. Os países ricos muitas vezes são as potências olímpicas nas várias modalidades e o futebol mexe nessa lógica. O futebol brasileiro, por exemplo, é admirado por todo o mundo, pela capacidade de reinventar o futebol, de mostrar uma coisa apaixonante”, demonstrou.
O preconceito e a discriminação presentes no começo do século XX na prática do esporte também foram relembrados. “O futebol era inteiramente elitizado, só jogava quem tinha condições, negros não entravam sequer no clube”, falou o escritor. Marcelo Cavalcante mencionou a origem do termo “pó de arroz” - dirigido ao Fluminense depois que, em 1914, a torcida do adversário descobriu que o jogador tricolor Carlos Alberto, um mulato, usava o pó para clarear o tom da pele. Wisnik mencionou a inversão do papel do negro no esporte, que passou a ser protagonista do futebol brasileiro: “Esses jogadores mulatos, mestiços negros, começaram a mostrar a sua importância e pressionaram pela profissionalização do futebol, que passou a abrigar todas as camadas sociais. Em 1938 a seleção brasileira realizou pela primeira vez a ideia de um futebol tropical, mestiço, e aparece então, inclusive, com um estilo novo de jogar”.
O efeito desse movimento ficou registrado na publicação da década de 40, O Negro no Futebol Brasileiro, de Mário Filho. Apesar de ter sido muito criticado por exaltar o papel do futebol como fator de democracia racial, como se não houvesse preconceito no Brasil, Wisnik parafraseou o alemão Anatol Rosenfeld, que em ensaio, cita: “Justiça seja feita a Mário Filho, não podemos dizer que fora do campo exista uma democracia racial, mas dentro do campo uma democracia se realiza”. O bate-papo abrangeu ainda temas como a influência do esporte na forma como o brasileiro se vê e as transformações mercadológicas pelas quais o esporte passou com a sua profissionalização.
O 11º Festival Recifense de Literatura – A Letra e A Voz é promovido pela Prefeitura do Recife. A programação, que teve início no dia 17, se estende até o dia 1º de setembro. Saiba mais: www.festivalaletraeavoz.com.br.