NOTÍCIAS

| 02.12.13 - 15h27

Crítica social marca a última noite do Festival de Teatro Nacional

[caption id="attachment_41228" align="aligncenter" width="680"] periferias do Recife e de São Paulo se encontraram no espetáculo Homens e Caranguejos, encenado na noite de domingo (1º), no Teatro Hermilo Borba Filho. (Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR)[/caption]



Dois espetáculos com um forte apelo social marcaram a última noite do 16º Festival Recife do Teatro Nacional. As periferias do Recife e de São Paulo se encontraram no espetáculo Homens e Caranguejos, encenado na noite de domingo (1º), no Teatro Hermilo Borba Filho. Sob a direção de Luciana Lyra, a peça inspira-se no romance homônimo do escritor pernambucano Josué de Castro, para contar de forma fragmentada a trajetória do Menino que abandona o Sertão para sobreviver no mangue. A encenação adota uma estratégia de guerrilha, alimentada por influências diversas como o cinema novo, os parangolés de Hélio Oiticica, a cultura popular nordestina e o movimento hip hop paulista.

Homens e Caranguejos é o único romance do médico e cientista social Josué de Castro. A adaptação para os palcos proposta por Luciana Lyra, em parceria com a Cia. Duas de Criação e o Coletivo Cênico Joanas Incendeiam, não é literal e faz paralelos entre a aldeia em que se passa a trama e comunidades na Ilha de Deus, no Recife, e no Boqueirão, em São Paulo. A diretora e as duas companhias viveram o processo de criação do espetáculo a partir do conceito de Artetnografia, que propõe a busca de experiências de campo pelos artistas, como estratégia de fomento à cena performática. Para as apresentações no Teatro Hermilo Borba Filho, o espaço foi adaptado à maneira de um teatro de arena, reforçando a imersão do público no universo mitológico da miséria explorada por Josué de Castro.

Já a crítica à hipocrisia da Igreja é o eixo temático do espetáculo As Confrarias, montagem da Companhia Teatro de Seraphins, com direção de Antonio Cadengue, encenado no Teatro Barreto Junior. A trama se passa no Brasil Colônia, à época da Inconfidência Mineira, quando Marta transporta o corpo do filho, morto por suspeita de conspiração, de porta a porta nas igrejas das Confrarias Católicas, em busca de um cemitério onde sepultá-lo. A narrativa segue dois planos de ação: um no presente e outro no passado, que ilustra a narrativa da protagonista sobre a vida do defunto.

As Confrarias é um texto de Jorge Andrade (1922-1984) que ganhou sua primeira montagem pelas mãos do pernambucano Cadengue. O enredo apresenta ao leitor/espectador os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais da sociedade mineira em fins do século XVIII. A trama, que tem como palco a cidade de Vila Rica, gira em torno de uma questão bastante relevante à época: a morte sem sepultura. Como não existiam cemitérios públicos, os mortos eram enterrados no solo sagrado das Igrejas. Porém, as irmandades e confrarias não tinham apenas a função de cemitério, mas funcionavam como clubes que serviam aos vários segmentos da população. Cada grupo social se associava à irmandade que representasse seus interesses, não aceitando a associação de indivíduos que não se enquadrassem em seus valores.

Balanço

O coordenador do 16º Festival Recife do Teatro Nacional, Carlos Carvalho, avaliou como positiva a experiência de seleção de espetáculos por meio de edital, formato adotado pela primeira vez este ano. "Acredito no edital como uma ferramenta importante de democratização. Mas isso não impede de pensarmos em combinações para futuras edições, como a coexistência de uma curadoria, com uma mostra dentro da grade que obedeça a um recorte conceitual mais específico", afirma Carvalho.

Para o coordenador do 16º FRTN, o edital é o meio que possibilita a qualquer realizador no país ter a sua voz ouvida pela comissão responsável pela seleção dos espetáculos. "Tivemos várias manifestações nesse sentido por parte dos grupos e dos artistas, felizes em terem tido a oportunidade de se mostrar, de enviar suas propostas. Acho que a edição desse ano do Festival teve o mérito de abrir um debate em torno dessa questão", disse.

Este ano o FRTN teve em sua programação 18 espetáculos de seis estados brasileiros - além de Pernambuco -, que durante 10 dias movimentaram teatros e pólos descentralizados pela cidade, oferecendo um panorama da produção nacional. As montagens locais, obedecendo ao modelo adotado para o edital, responderam por 50% das atrações.

No que se refere ao resultado estético do conjunto das obras reunidas este ano, Carvalho destacou o fato de todos os espetáculos apresentados serem de grupos de pesquisa em linguagem cênica, muitos deles coletivos de teatro. "Houve uma característica comum a muitas peças que foi o diálogo com o público. Mesmo os espetáculos de teatro italiano buscaram a participação da plateia. Isso revigora o fazer teatral. Além desse aspecto, percebo que muitas montagens mostraram uma forma de olhar o mundo fortemente crítica."

Nesta segunda-feira (02), a escritora e pesquisadora Maria Helena Kuhner, avaliadora convidada do festival, irá apresentar suas considerações sobre a edição deste ano, em palestra marcada para as 18h, no Teatro Hermilo Borba Filho. "Como a própria secretária [de Cultura] Leda Alves coloca, existe um caminho e existem veredas. O que precisamos saber é se esse festival está no caminho, ou se foi uma vereda, que precisa ser deixada de lado para que o curso seja retomado", diz Maria Helena. Em sua avaliação, ela pretende abordar a estética dos espetáculos, a dramaturgia, o modelo de organização do evento e a participação do público.