Secretaria da Mulher do Recife endossa a criação da Comissão de Direitos da Mulher na Câmara dos Vereadores
A celebração do centenário de Júlia Santiago, a primeira vereadora do Recife, começou com uma sessão solene, na Câmara dos Vereadores, nesta quarta-feira (8). Na ocasião, foi anunciada a criação da Comissão dos Direitos da Mulher, com inauguração prevista para a próxima semana. A sessão foi uma iniciativa da Comissão Executiva da Câmara que não só homenageou o trabalho desenvolvido pela tecelã no Poder Legislativo como entregou certificados simbólicos a todas as vereadoras e ex-vereadoras da Casa José Mariano por suas atuações no campo dos direitos das mulheres.
A secretária da Mulher do Recife, Cida Pedrosa, iniciou sua fala debatendo a pouca participação das mulheres nos mais diversos espaços de poder. “Eu acredito que só há saída para as questões do mundo através da política e os espaços onde mais se constrói política são os espaços do parlamento, seja ele municipal, estadual ou federal. Só que esse parlamentos precisam ser mais equânimes. Nós somos mais da metade da população. Recife é a cidade mais feminina do país e mesmo assim sendo, durante todo o tempo que existe a Casa José Mariano, nós só fomos 16. Isso é muito pouco”, explicou. Segundo Cida, depois da primeira eleição feminina, uma recifense ocupou uma cadeira na casa José Mariano apenas 40 anos depois.
A criação da Comissão dos Direitos das Mulheres foi um pedido das Secretarias da Mulheres. Junto à solicitação, a pasta municipal entregou diversas sugestões que foram incorporadas à Lei Orgânica do Recife, que, atualmente, traz um capítulo dedicado inteiramente ao direitos das mulheres.
O presidente da Câmara, Eduardo Marques, comentou da honra de homenagear Júlia pelos seus serviços prestados e aproveitou para destacar a atuação da atual bancada feminina. “Hoje, são seis vereadoras na Câmara. Todas de igual modo engajadas, com afinco do mesmo modo de Júlia. Que ela continue servindo de inspiração”, comentou. Após a fala do parlamentar, foi exibido o documentário Júlia, uma operária da luta, com roteiro de Guido Bianchi e direção de Raoni Moreno. O filme narra a trajetória da vereadora no contexto sociopolítico em que ocorreu, mostrando como articulou greves nas fábricas têxteis, seu envolvimento com o Partido Comunista e a luta pela aposentadoria com idades diferentes para homens e mulheres. A película também será exibida nos dias 9 e 10, às 20h, no Teatro de Santa Isabel.
Sobrinho neto de Júlia, o jornalista André Resende também participou da solenidade. Em sua fala, destacou que o Brasil vive “um momento muito Júlia Santiago” e referiu-se à luta de sua tia por mais igualdade entre homens e mulheres. “Ela defendia que as mulheres tivessem empregos para se sustentarem, para ter uma renda. Mas também entendia que não era simplesmente um trabalho, mas que também era preciso elevar o nível da escolaridade”, pontuou. Junto ao jornalista, compareceram na cerimônia a sobrinha da tecelã, Jaci Santiago, acompanhada de sua filha Audenice Santiago.
Presente no evento, a secretária da Mulher de Pernambuco, Silvia Cordeiro, pontuou a importância dos organismos de mulheres na esfera governamental. “Nós mulheres que militamos, que estamos gestoras, políticas, essa notoriedade se legitima por conta das políticas públicas para as mulheres que tem como pauta e agenda a visibilidade das mulheres”. A gestora ainda frisou que as recifenses vem construindo uma história de resistência e luta por seus direitos, assim como a primeira vereadora do Recife.
Aline Mariano encerrou a solenidade comentando sobre a importância de se abrir o diálogo sobre a participação das mulheres nos espaços de poder. “Hoje é importante para resgatar a história, traçar paralelos e debater sobre a atual participação política das mulheres. A igualdade das mulheres como pressuposto”, disse. A parlamentar salientou a importância de Júlia ao dizer que “ela deixa um legado, seu exemplo de luta, coragem e inconformismo com as injustiças sociais”. Após sua fala, foi descerrada a placa de homenagem a primeira vereadora do Recife.
PROGRAMAÇÃO – A ópera inédita "Júlia, a tecelã", com regência e direção do maestro Wendell Kettle, será apresentada amanhã (9) e no dia 10, às 20h, no Teatro Santa Isabel. A encenação fica por conta da Academia de Ópera e Repertório da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Sinfonieta UFPE. Dividida em seis cenas, a obra lírica apresentará episódios representativos da vida da personagem: sua vinda para a capital pernambucana, o trabalho nas fábricas de tecelagem, a liderança e o engajamento no mundo político. Também será exibido o documentário Júlia, uma operária da luta, dirigido por Raoni Moreno.
Todo a programação é gratuita e aberta ao público. Os ingressos estarão disponíveis duas horas antes do início do espetáculo na bilheteria do Teatro de Santa Isabel. No dia 10, parte das cadeiras serão reservadas para os alunos da rede pública estadual de ensino.
JÚLIA SANTIAGO - Júlia Santiago viveu à frente do seu tempo. Engajada na luta sindical e política, tornou-se a primeira mulher a ocupar um assento na Câmara Municipal do Recife, em 1947. Filha de camponeses, ela nasceu em São Lourenço da Mata, em novembro de 1917. Alfabetizou-se na fábrica têxtil onde começou a trabalhar aos 12 anos.
Militante comunista, ajudou a fundar o Sindicato da Fiação e Tecelagem de Pernambuco e ingressou no Círculo Operário Católico do Recife. Vanguardista, defendeu que homens e mulheres deveriam ter tempos de serviço diferentes para se aposentar, alegando que o trabalho doméstico se constituía numa jornada dupla para elas. Falecida em 1988, Júlia Santiago deixou um grande legado às mulheres: seu exemplo de luta, coragem, consciência acerca dos direitos da classe trabalhadora e inconformismo diante das injustiças e desigualdades sociais.